É hora de planejar o futuro que o amazônida merece
A história nos ensina. O futuro nos exige coragem para agir diferente.
“Aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo.”
— George Santayana, em “A Razão da Vida” (1905–1906)
Por volta de 1870, teve início o famoso Ciclo da Borracha, um período de extrema importância para a Amazônia, que transformou cidades como Belém em centros de intensa efervescência cultural e riqueza. A cidade se urbanizou, modernizou e construiu ícones como o Ver-o-Peso e o Theatro da Paz.
Mas, em 1912, começou o declínio: o Sudeste Asiático passou a cultivar seringueiras em grande escala e a exportar borracha para o mundo, dominando o mercado global. O escritor Dalcídio Jurandir retrata, em seus romances, uma Amazônia em decadência e abandono após esse colapso — resultado da falta de investimento em produção industrial sustentável. Hoje, o Brasil não figura entre os grandes produtores de borracha do mundo.
A COP30 como nova chance histórica
Se refletirmos, a COP30 representa uma nova oportunidade para Belém e sua região metropolitana — comparável à que tivemos no ciclo da borracha. A conferência coloca a Amazônia no centro das discussões globais sobre o clima, mas também nos permite expor as carências históricas e estruturais das cidades amazônicas.
Se queremos falar de cidades mais inteligentes, verdes e resilientes, precisamos enfrentar a realidade da infraestrutura precária. Um exemplo simbólico é a Ilha do Combú: enquanto autoridades internacionais visitam o local, seus moradores ainda não têm acesso a água potável. A água chega por barcos ou é retirada, sem tratamento, diretamente do rio. Um paradoxo: uma ilha cercada por água onde falta água para viver com dignidade.
A condição do amazônida
A situação do Combú ilustra bem o cotidiano do amazônida. Ele precisa vencer obstáculos todos os dias: transporte precário, dificuldade para manter o próprio negócio, acesso limitado a educação, saúde e segurança.
Esses desafios não afetam apenas os ribeirinhos ou os mais pobres. Trata-se de um problema estrutural, que atinge todos — do trabalhador informal ao empresário. Um dado revelador: entre 2010 e 2022, segundo o IBGE, a população de Belém caiu 6,46%, o equivalente a cerca de 90 mil pessoas. Essa saída populacional representa perda de arrecadação e pode comprometer ainda mais os serviços públicos como mobilidade, saúde, educação e segurança.
Um plano diretor para virar a página
A solução é complexa, mas acredito que ela começa por um plano diretor que projete nossas cidades para o futuro, e não para o passado.
Precisamos de um plano que:
Viabilize habitação de interesse social em Belém;
Fortaleça a economia local e crie empregos e renda;
Supere o abandono herdado desde o fim do ciclo da borracha.
Se queremos falar de sustentabilidade, turismo, bioeconomia e cidades inteligentes, precisamos de uma ferramenta que torne isso viável. E o plano diretor é esse ponto de partida.
A hora é agora
É hora de mudar o jogo e fazer com que as necessidades da população sejam ouvidas. É hora de adotar uma metodologia que parta da base da pirâmide para o topo, onde a sociedade pauta as prioridades — e não o contrário, com soluções impostas de cima para baixo.
É hora de unir todos os setores da sociedade para construirmos cidades amazônidas vibrantes, modernas e justas, onde o cidadão possa viver com dignidade, seja com carteira assinada ou empreendendo com o próprio negócio.
João Pedro Carneiro
Mestre em Gerenciamento e Engenharia de Construções pela University of Southern California